quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O Preço do Desejo




Não há muitos anos atrás, tive uma experiência pessoal que me marcou. Estava eu em plena viagem de curso no nosso país irmão, o Brasil, “passeando” tranquilamente nas ruas de Porto Seguro quando vi um jovem a moldar flores com folhas de bananeira. Cativou-me a forma graciosa como o fazia e logo me decidi fazer um agrado à minha namorada. Aproximei-me e perguntei o preço, preparando desde logo os meus argumentos de negociação, de forma a preservar o máximo dos parcos reais que tinha no bolso. Recordo-me perfeitamente daquela resposta que me desarmou por completo: “Arte não tem preço moço! Pague o que achar justo.” – Já não me recordo de quanto paguei mas tenho a certeza que foi bem mais do que faria se ele se tivesse limitado a atirar-me um preço que eu iria certamente debater. Foi a primeira vez que pensei realmente de forma mais aprofundada sobre os processos de definição de preço e a percepção de valor.

Ainda assim, verdade é que a definição de um preço apropriado ao modelo de negócio e contexto competitivo é cada vez mais um requisito essencial para o sucesso de uma marca ou empresa. O nível de agressividade em que algumas indústrias estão imersas, tornam qualquer erro de posicionamento altamente penoso, com potenciais consequências dramáticas tanto para a saúde financeira das empresas como, até mesmo, para a sustentabilidade a longo prazo dos seus produtos/marcas.

Há um estudo antigo mas muito interessante da Milward Brown, o BrandZ e que, a grosso modo, defende a ideia de que os produtos e marcas definem o seu preço de acordo com uma espécie de “índice de desejabilidade”, podendo originar 4 tipos de produto consoante o embate entre desejo e preço.

Demasiadas vezes, as empresas e os gestores de Marketing pensam que para trabalhar a atractividade de determinado bem ou marca é só uma questão de fazer oscilar o preço. Não é verdade! Esta é só uma parte do puzzle. O preço deve ser considerado um resultado e não uma causa.
Conseguir uma adequada harmonização entre o tal “índice de desejo” e o nível de preço, revela-se assim crítico para o sucesso de determinada oferta. Desta forma, os conceitos de caro/barato revelam-se sempre totalmente relativos e individuais a cada consumidor.

O preço é realmente uma variável de efeito mais imediato assim como a Promoção (especialmente num contexto de crise), mas há outras formas de despertar o “Desejo” das nossas marcas… O conceito de “Desejo” pode parecer um pouco esotérico, mas tem claramente o mérito de conseguir sintetizar 3 variáveis críticas para a avaliação de um preço:
  • Facilidade de Acesso/Disponibilidade
  • Valor percebido
  • Mimetização/Moda
A Facilidade de acesso tem a ver com a distribuição e o esforço necessário para conseguir um bem. Com efeito, com a evolução tecnológica no lado produtivo e com uma mais eficiente distribuição, progredimos para uma era de abundância onde a escassez é apenas um cenário remoto. Não obstante, há ainda várias formas de gerar valor pela escassez/raridade: Edições Limitadas, de coleccionador, canais de distribuição exclusivos ou até pelo contexto (um guarda-chuva é um em comum mas tem maior valor quando começa a chover de repente). Há diversos exemplos deste tipo de abordagem como seja uma Nespresso, ou os pre-releases na indústria de videojogos.

O Valor Percebido tem sempre a ver com o jogo entre a promessa e a entrega. Em qualquer categoria, haverá sempre clientes para a proposta de valor de excelência e para o preço mais competitivo desde que o binómio satisfação/preço lhes seja favorável. Obviamente, se centrarmos a nossa proposta nas meras funcionalidades ou características físicas, o valor percepcionado da nossa oferta será menor. Por outro lado, se catalisarmos os nossos consumidores através de uma experiência diferente, construindo uma narrativa de valores e sensações, é outra conversa. Uma coisa é vendermos cerveja enquanto bebida refrescante. Outra coisa, é transmitirmos a Amizade, os momentos de convívio, os sorrisos e o Verão. Quanto é que isso vale?

O ser humano vivem sociedade e para a sociedade. Existe um efeito apaziguador em saber que somos respeitados e que os outros nos aceitam e até admiram. Basta revisitarmos a sábia Pirâmide de Maslow para o comprovarmos. Em quantas situações, não assistimos a processos de mimetização de compra? – “Se é bom para eles, também é bom para mim”– Façam o seguinte exercício numa esplanada: sentem-se com uns amigos e escolham um sumo que ninguém esteja a beber. Com certeza haverá novos pedidos entre o vosso grupo e os convivas que forem chegando mesmo a outras mesas. Coincidência? Por vezes, a mimetização também funciona como desbloqueador mental. Veja-se quando estamos na praia e uma pessoa pede uma bola de Berlim ou uma bolacha Americana, seguem-se em catadupa novos pedidos pois as pessoas (apesar de saberem que não é muito saudável), utilizam os outros como referência emocional. O “estar na moda”, o “ser trendy” funciona suportado neste efeito de dissipação em que, queremos o que os outros têm, até ao momento em que decidimos que já demasiadas pessoas têm o que nós temos…

Em suma, a ideia central que estou a tentar passar que, apesar se influenciarem de forma sinalagmática, é a gestão do “Desejo” que deve ser o driver do Preço e não o inverso! Há muitas formas de fomentar, de forma inteligente, a atractividade das marcas e produtos.Caso contrário, não estamos a gerir uma marca ou produto mas, “meramente” a coordenar eficientemente (ou não) uma Supply Chain.

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