quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Um rebanho de consumidores




Nada sabe melhor que uns bons dias de descanso após meses intensos de trabalho. Por vezes parece complicado desligar do trabalho quando estamos realmente empenhados e comprometidos com algo e gostamos do que fazemos. No entanto, rapidamente colocamos os desafios, os KPIs e os objectivos em stand by mal o sol nos acolhe no seu quente abraço e o mar nos embala na sua cantiga ondulante. É neste momento em que uma boa companhia temperada com uma cerveja bem fresquinha nos faz sentir, realmente, em descanso...

Posso estar relaxado mas, na verdade, não consigo desligar a mente. Costumo defender que um Marketeer está sempre “no activo” nem que seja a observar, a ouvir discussões, a tentar descortinar novidades ou padrões de escolha dos que nos rodeiam. Foi num destes momentos introspectivos que me retive um pouco mais a acompanhar o vendedor de bolas de Berlim na praia que frequento. Na realidade, este produto poderia ser um case study. Uma iguaria altamente calórica, doce e que necessariamente causará sede é um sucesso de vendas na praia? É curioso como um produto que aparentemente parece tão desadequado para um determinado contexto, parece ter uma performance tão interessante em termos de vendas, ganhando estatuto quase de tradição inter-geracional.

Não obstante, não foi essa questão que me prendeu. O que conquistou o meu interesse e curiosidade foi, na realidade, a distribuição atípica dessas mesmas vendas. O processo é sempre o mesmo: um jovem atravessa num cansativo vaivém pela praia pregando a mesma canção “Bola de berlim, bolinha com creme, sem creme, com chocolate…”.As vendas ocorrem em jeito de vagas ou, por simpatia ao oceano ali tão próximo, em marés. Poder-se-ia passar infindável tempo sem sequer consumar-se uma venda que bastaria uma boca mais faminta ceder à tentação que, necessariamente, outros segui-lo-iam em manada. Vale o que vale, mas posso dizer que, na última semana, registei que não houve sequer uma única compra precursora que não tenha dado origem, no mínimo, a outras três, independentemente da temperatura ou altura do dia. Com um multiplicador de 300%, não percebo como é que ainda não se lembraram de colocar “clientes âncora” estrategicamente espalhados por toda a praia… ?!?

Numa era em que todos os consumidores são tão informados e críticos será realmente possível que estas pessoas estivessem a agir inconscientemente, como meras ovelhas em rebanho, limitando-se a seguir a mais ousada?

Todo este episódio fez-me voltar à memória o livro “Influence” de Robert Cialdini que devorei há tempos e que recomendo vivamente. O comportamento de rebanho é uma realidade bem identificada pela psicologia e tenta explicar como uma grupo de indivíduos singulares pode acabar por ter comportamentos semelhantes sem um planeamento prévio. Este fenómeno acaba por ser facilmente assimilado, se compreendermos as duas razões principais subjacentes.

  • “O Homem é um animal social”, tal como dizia Aristóteles, já na Grécia Antiga. Há uma pressão enorme e crónica para que os seres humanos, vivendo em comunidade, lutem por uma mais fácil integração e ascensão nessa estrutura social. Nesse sentido, o hábito, a manutenção das tradições e a mimetização dos comportamentos da maioria é a opção mais confortável e que comporta menos riscos de oposição. A persecução da opinião da entidade colectiva, é o atalho mais fácil para ser aceite como membro dessa mesma comunidade.
  • O segundo motivo é que o ser humano é tendencialmente “preguiçoso”, ou seja, aspira a uma sensação de racionalidade em todos os seus actos e decisões mas não dispõe de muito tempo ou demasiados recursos intelectuais para alocar a todas as decisões. Ora, seguir a opinião ou posição da maioria, é a abordagem percepcionada como mais segura e adequada pois a probabilidade do maior número de pessoas estar redondamente enganado é, tendencialmente, menor.

O alinhamento e a conformidade são, indubitavelmente, o caminho mais fácil e que garante menor tensão psicológica ou esforço físico. Não há grande esforço cognitivo significativo na imitação de comportamento seja na escolha do smartphone, na decisão do novo penteado ou até mesmo na decisão de meramente comer uma bola de Berlim. – “Se ele e pode comer, porque não posso eu? – Servindo como atalho de decisão, guia ou mero desbloqueador de acção. Veja-se que em trabalho, família ou mesmo no seio de amigos, dizer “não” implica um esforço cognitivo e um nível de tensão bem superior. É tão mais fácil navegar nas calmas correntes da maioria convergente…

Cialdini, no seu livro, descreveu uma experiência fascinante em hotéis na zona de Phoenix, no Arizona. Uma equipa de gestão, tentou descobrir como escolher a mensagem na casa de banho que maximizaria a reutilização de toalhas. A primeira mensagem explicava claramente que a reutilização era benéfica para o ambiente pelo menor desperdício de água. A segunda mensagem convidava os hóspedes a “cooperarem com o hotel” e “ serem seus parceiros nesta causa nobre”. Esta última foi 12% menos eficaz que a primeira. Pelo que testou-se uma terceira via que veiculava que “a maioria dos hóspedes no hotel reutilizava as suas toalhas pelo menos uma vez durante a sua estadia”. Esta abordagem revelou-se 20% mais eficaz que a primeira hipótese. A mensagem final e derradeira acabou por ser definida assim: “…a maioria das pessoas que visitou este hotel, reutilizou as suas toalhas” que acabou por revelar um incremento de 33% face à primeira opção, nos anos vindouros.

Esta ideia não é particularmente inovadora até porque já foi inúmeras vezes utilizadas em peças de comunicação tais como: “o chocolate preferido no mundo” ou “provavelmente a melhor cerveja no mundo” ou até mesmo “1 milhão de fãs de futebol não podem estar enganados”. A ideia a passar é que se toda a gente escolhe aquele produto, marca insígnia ou serviço porque não a escolherias tu?

O conceito da mentalidade de rebanho pode ser um desbloqueador e call to action extremamente forte. A ideia de que “toda a gente já o faz” ou “a maioria das pessoas prefere…” é um poderosíssimo argumento de persuasão que caiu um pouco em desuso mas que não pode nem deve ser ignorado por qualquer profissional atento de Marketing.

Os consumidores, claramente já não são meras ovelhas desorientadas mas “se lhes mostrarmos o caminho”, eles tenderão a seguir-nos!

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